I – Neste ano de 2014 assistimos ao centésimo ano após o início da primeira
guerra mundial (28 de Julho), ou “grande guerra”, como foi denominada até 1945.
E fez sessenta e nove anos, no dia 01 de Setembro de 2014, o início da segunda
guerra mundial. Usei estas datas como justificação interior para dedicar algum
tempo ao aprofundamento de conhecimentos nesta matéria.
A segunda fase desta acção aferiu-se bem mais complicada: que livros ler?
Esta dificuldade advém do seguinte facto: a quase totalidade dos livros de
história que se encontram disponíveis nas lojas da denominada sociedade ocidental, narram as grandes
guerras somente no palco do continente Europeu. Parecem, por exemplo, ser praticamente
“esquecidos” pelos historiadores (e, consequentemente, praticamente
desconhecidos pelos leitores): na grande guerra, o conflito no médio oriente,
que envolve o Império Otomano, T. E. Lawrence (comummente conhecido como Lawrence da Arábia), o canal do Suez
(uma das mais importantes construções na história da humanidade, e, de modo
chocante, por esta praticamente desconhecida – o que, na minha honesta opinião,
é claro exemplo do deficiente sistema educacional da humanidade: esta espécie
animal possui uma capacidade única de transmissão de informação ao longo tempo
[que, actualmente, é denominado de educação],
e ainda não construiu um sistema digno desse poder), e o acordo Sykes-Picot,
elemento fundamental para compreender a actual geopolítica do Médio Oriente; na
segunda guerra mundial, os pormenores da guerra travada pelo Japão, e o
conflito na Africa do Norte, praticamente desconhecidos pelo cidadão da sociedade ocidental.
Uma percepção objectiva da realidade não permite que me debruce, sem
total análise científica, sobre as razões daquelas insuficiências. Mas,
quaisquer que sejam essas razões, parecem, prima
facie, encontrarem-se balizadas pelos seguintes vértices: pela aceitação da
premissa de que a história é escrita pelos vitoriosos, e de que estes têm uma tendência
para denegrir a parte derrotada e florear as suas próprias acções; pelo facto
de o principal elemento a derrotar (a Alemanha) se encontrar no continente
Europeu; pela exploração económica (seja pelos historiadores, seja pelas
editoras) do sentimentalismo do “cidadão Europeu”, que o leva a manifestar
maior interesse à destruição no seu continente do que a qualquer outra zona
geográfica do mundo (a título de exemplo, um Português presta maior atenção a
um pequeno massacre no território do seu País ou do País vizinho, do que um enorme
massacre num distante território do Médio Oriente); pelas diferenças
linguísticas, que chegam a impedir as próprias investigações dos historiadores;
pela ignorância do cidadão comum, que, não conseguindo compreender o
enquadramento sociocultural e político das várias sociedades mundiais, não alberga
interesse nas informações relativas a essas sociedades (e, aqui, temos nova
manifestação do elemento económico que direcciona os historiadores e as
editoras); e pela era do excesso de informação em que vivemos – actualmente, o
cidadão da sociedade ocidental é
inundado por informações do seu País (grande parte, informações triviais), não possuindo
tempo para a informação de carácter mundial.
II – Assim, decidido que estava, e continuo a estar, a fugir aos cânones
ocidentais (pois, só assim é possível prosseguir por uma percepção objectiva da
realidade), decidi seleccionar livros que me dessem a conhecer as duas guerras
por perspectivas não ocidentais.
No âmbito da primeira guerra mundial, decidi ler a biografia de T. E.
Lawrence, que permite um bom enquadramento do conflito na zona geográfica do
Médio Oriente: Lawrence da Arábia, de
Adrian Greaves, Edições 70, 2010. Trata-se de um livro praticamente impossível
de encontrar em Portugal: só encontrei à venda numa loja, e só vi um exemplar. Paguei
€22,21; um preço outrageous, na expressiva
palavra inglesa, e uma das razões, penso, da dificuldade em os livros chegarem
ao cidadão interessado. Livro magnífico, e que retrata uma personalidade
igualmente fascinante, ao qual apresento apenas duas críticas: uma ao tradutor,
pela (falta de) utilidade que atribui às vírgulas, importantíssimas para tornar
um texto numa leitura fluente; uma ao autor, que confunde conceitos.
Repare-se, relativamente a esta crítica ao autor, a seguinte frase: A Síria era uma região especialmente
complicada, dado que durante milhares de anos fora sujeita à passagem dos
exércitos e a numerosas migrações. Na sua maioria, os vales da Síria
agrupavam-se em função da nacionalidade dos colonos originais. Estes eram
predominantemente árabes, argelinos, arménios, circassianos, curdos, gregos,
persas e turcos, e tinham como único denominador a utilização da língua árabe.
Quando deflagrou a primeira guerra mundial, toda a Síria e a região costeira a
sul de Aqaba, até ao Iémen, já estavam ocupadas pelo Império Otomano há
quatrocentos anos. Estas populações árabes encontravam-se completamente subjugadas
pelos Turcos e, como súbditos obedientes aos seus senhores, careciam de toda
e qualquer forma de união colectiva ou de identidade nacional (p. 31). Este
parágrafo é um disparate total: primeiro o autor refere a existência da Síria,
que, em boa verdade, só surge alguns anos depois; depois, o recurso ao elemento
Síria representa o recurso a uma
identidade nacional, para depois o autor dizer que aqueles povos careciam de união
colectiva ou identidade nacional, o que é uma incoerência total; por fim, a
meio do parágrafo, o autor refere-se ao elemento nacional daquelas povoações,
mas este elemento não existia em muitas delas, principalmente, para o que ao
caso interessa, nos denominados árabes,
compostos por tribos, a grande maioria, nómadas.
Este recurso erróneo ao conceito de nacionalidade (e, já agora, também
ao conceito de Estado) é visível em
muitos livros de história, e ainda hoje não descortinei se tal se deve ao desconhecimento
dos historiadores quanto à origem destes conceitos (o que tenho por
inaceitável), ou se deve à sua intenção de tornar a exposição histórica narrativamente
acessível ao leitor comum (o recurso às nomenclaturas da época para cada
povoação ou zona geográfica poderia, realmente, tornar o livro num labirinto do
qual o cidadão comum, como eu, não conseguiria sair, embora eu seja da opinião
que esta dificuldade seria sempre ultrapassada com uma completa exposição de
mapas no início do livro).
No âmbito da segunda guerra mundial, seleccionei o livro A Queda de Berlim, de Antony Beevor
(Bertrand Editora, 2011). Apesar de se referir à Alemanha, e ao Continente
Europeu, o livro proporciona uma perspectiva única da viagem do exército da URSS
até Berlim. Porquê? Porque foi este exército a conquistar a capital Alemã. Os
principais intervenientes foram o exército da primeira frente Ucraniana
(comandada por Konev), o exército da 1ª frente Bielorrussa (comandada por
Zukov), e o exército da 2ª frente Bielorrussa (comandada por Rokossovsky). De
futuro, tenciono seleccionar referentes ao papel do Japão na guerra e à guerra
no continente Africano.
Dois livros cuja leitura recomendo vivamente.
No topo do texto a fotografia de uma trincheira, elemento comum das duas
guerras.
Bruno Miguel dos Santos
Carrilho Tabaio
07 de Setembro de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário